Por que razão a troca de carinho, a intimidade e a expressão de sentimentos assusta tantos homens? Ficamos sabendo que a educação e a biologia estão na base do problema.
Ana (nome fictício) tem 30 anos e vive com o namorado há três. Têm interesses semelhantes, não abdicam da companhia um do outro, ele divide as tarefas de casa, trata-a ‘com todo o respeito’. Até já falaram em ter filhos. Tudo poderia correr de vento em popa se não fosse um pequeno grande senão. ‘Ele não é propriamente a pessoa mais carinhosa do mundo. Não gosta de me beijar em público e, mesmo quando estamos sozinhos, não se preocupa muito com isso. Só quando estamos na cama ou quando há sexo é que se mostra mais afetuoso’, confessa.
No início da relação, meia-dúzia de amigos desprevenidos perguntaram, espantados, se eles namoravam realmente, de tão discretos que eram, e as amigas confessavam-lhe que não sabiam como ela conseguia namorar um homem tão frio. ‘É bastante constrangedor ouvir isto. Houve até quem me aconselhasse a acabar a relação, que, se agora era assim, depois de casada iria ser um martírio.’ Apesar de tudo, reflete, há muita coisa que os une e nem sequer põe a hipótese de se separar. ‘Não digo que não tenho pena de que ele não seja mais terno.
Mas é surpreendente como uma pessoa se pode moldar ao comportamento do companheiro. Acho que hoje não sou tão carinhosa como antes.’
ELES FALAM DE SEXO, NÓS, DE SENTIMENTOS
Rosário Gomes é psicoterapeuta e recentemente foi responsável por um interessante estudo sobre a intimidade. Descobriu que homens e mulheres têm uma noção diferente sobre o tema. Quando se fala em intimidade, muita gente remete o assunto para a cama. Mas é muito mais do que isso, diz a psicoterapeuta.
‘É mais a proximidade, a ‘relação com’, independentemente da tarefa que se está a partilhar: pode ser na brincadeira, na troca de informação, na sexualidade.
A importância está na entrega.’ Para existir, é preciso ter confiança para baixar as defesas, sem medo de que as emoções ou os gestos que partilhamos nos deixem mais vulneráveis. ‘A mulher valoriza mais a intimidade intelectual e o homem valoriza a intimidade sexual, que para a mulher é importante mas como uma consequência da troca de carinho’, diz a psicoterapeuta. ‘O homem foi educado para uma sexualidade mais física e a mulher para uma sexualidade mais emocional.’ Por esta razão não são estranhos os casos como o do companheiro de Ana: afetuosos durante o sexo, mas relativamente frios em carinho e partilha de sentimentos no dia-a-dia. ‘Foi-lhes ‘permitido’ socialmente desenvolver a intimidade e o afeto na sexualidade’, explica Rosário Gomes.
‘Os homens chegam ao amor através do sexo. As mulheres chegam ao sexo através do amor e dos sentimentos.’ Quem o diz é John Gray, autor do best- -seller ‘Os Homens São de Marte, As Mulheres de Vénus’. A maneira como nos excitamos sexualmente também é diferente da dos homens. Enquanto a imaginação e os sentimentos desempenham o papel principal na sexualidade feminina (excitamo-nos muito mais com o toque e com as palavras que ouvimos), os homens são mais sensíveis aos mecanismos corporais que desencadeiam excitação e aos estímulos visuais. Em contrapartida, sentem-se muito mais pressionados a ter um bom desempenho sexual. Os nossos cérebros, dizem os especialistas, também funcionam de maneira diferente. Nos homens, o hemisfério direito, que controla todas as emoções, está subordinado ao hemisfério esquerdo, da racionalidade, diz a antropóloga Helen Fisher, autora do livro ‘O Primeiro Sexo’. Nas mulheres, o funcionamento dos dois hemisférios é mais equilibrado e integrado.
O MEDO DA INTIMIDADE
Rosário Gomes diz que não podemos traçar um retrato-robô do homem com medo de mostrar afeto, mas que existem características comuns: ‘À partida, será mais inseguro e reservado, e por isso também mais ansioso.’
Mas, como nasce esta espécie de fobia de intimidade? Será só falta de interesse na relação? ‘O que faz toda a diferença são as regras da conduta aprendidas na adolescência. Os rapazes são ensinados que não é muito bonito expressar afetos ou chorar, e isto faz com que não desenvolvam tanto o treino da intimidade. À rapariga é permitido falar com a sua amiga sobre o que sente, sobre os seus medos, alegrias. Ao rapaz isso não é permitido entre pares, por causa da aprovação da sua identidade enquanto macho. O toque entre rapazes também não é bem aceite’, alerta. Quem não segue as regras de aceitação no clube dos ‘machinhos’ arrisca-se a ser marginalizado. ‘Por isso é que aquele amigo ou amiga que se escolhe, na adolescência, para falar à vontade é tão fundamental no crescimento. Com ele podem ultrapassar as normas e não estão sujeitos a humilhação’, explica Rosário Gomes.
A relação com os pais também é importante nesta aprendizagem. ‘Há uns anos, achava-se que era essencial uma separação entre o jovem e os pais, para que este construísse a sua identidade. Hoje sabe-se que não é necessário se houver uma boa relação de intimidade com os pais.’ Quando não aprendemos a partilhar os nossos sentimentos e a confiar nos outros, começamos a recear a intimidade. ‘Ganha-se medo de perder independência, de se ser controlado pelo outro através da expressão dos afetos e da entrega física. Estas pessoas pensam que, ao falarem do que sentem, estão a mostrar-se vulneráveis e temem que o outro utilize isso da pior maneira possível.Se ele não expressa afetos, não aprende consigo próprio e com o outro’, observa a psicoterapeuta.
AVARENTOS NAS EMOÇÕES?
Helen Fisher apoia esta teoria no seu livro. ‘O psicólogo John Gottman, da Universidade de Washington, registou centenas de discussões entre marido e mulher e constatou que 85% das atitudes de obstrução eram tomadas por homens.’ Ou seja, o homem diz que não quer falar mais e dá a conversa por encerrada. ‘Esta contenção emocional masculina é visível em muitas culturas. Mulheres interrogadas nos EUA, na Finlândia, na Noruega e na Suécia queixam–se todas de que os homens são emocionalmente avarentos’, continua Fisher.
O que leva uma mulher a suportar isto? ‘Em muitos casos, a relação até é funcional, ainda que não exista grande intimidade. A mulher convive com isso porque não é muito exigente ou porque acha que já não há possibilidade de mudar e compensa esse défice de intimidade com amigas. Até é saudável como complemento, não como substituição’, afirma Rosário Gomes. ‘Tanto o homem como a mulher ainda não identificaram os problemas da intimidade como os mais sérios a resolver, quer para o indivíduo quer para a relação.’ Mesmo quando pedem ajuda, são outros os motivos que os levam ao terapeuta. ‘Queixam-se de disfunções sexuais ou de conflitos, mas percebemos que o que existe é, afinal, um grande problema de intimidade.’
DÊ-LHE TREINO AFETIVO
Há esperança de aprender as linhas com que se casa a intimidade? O caminho a percorrer é longo e a mulher tem um papel importante. Preste-lhe mais atenção e mostre respeito pela personalidade dele. ‘Quando percebemos que a outra pessoa está a tomar atenção ao que dizemos e a respeitar a nossa forma de pensar e valores, sentimo-nos acarinhados. Não é preciso muito mais que isto. A escuta ativa faz vir o afeto ao de cima’, diz Rosário Gomes. Não pergunte constantemente: ‘O que é que tens, fala comigo!’ Ele só irá sentir-se mais pressionado. Aceite que há momentos certos para falar. Em vez de o criticar gratuitamente, convide-o a expressar–se: ‘O que sentes com essa situação, qual é a tua dificuldade em falar?’ Conte-lhe algo muito íntimo para si: um trauma do passado, memórias de infância, a razão das suas tristezas. Assim, encoraja-o a fazer o mesmo.
Não ponha as questões incômodas debaixo do tapete. ‘O conflito é necessário e importante para evolução da relação’, aponta Rosário Gomes. ‘Mas deve ser acompanhado de capacidade de resolução.’ Faça-lhe ver que não gostou de um comportamento e o que isso a fez sentir. Dê-lhe oportunidade de se explicar. Proponham soluções que evitem que o mesmo se repita. Procure ajuda profissional. Ele pode sentir-se mais à vontade a sós com o terapeuta, e só depois se passa à ajuda ao casal. ‘Temos de identificar se o problema está na individualidade ou na sintonia da relação e da partilha’, explica Rosário Gomes.
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