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RESPIRA FUNDO E ME ESCUTA

Pode melhorar a cara de vítima porque não me comovo fácil. E se está esperando que eu te dê colo, esquece. Se é para ouvir uma dúzia de frases feitas, como “ele não te merece”, “vira a página” ou “sai dessa” também bateu na porta errada. Agora, se estiver pronta para tirar proveito dessa experiência, pega a caixinha de lenços e vamos conversar sobre sua felicidade.

Calma. Respira. Senta aí. Quer água? Café? Não, brigadeiro eu não vou fazer, esquece. Tá louca? Tomou um pé na bunda e ainda vai engordar? Tá, desculpe. Eu sei que não devia ter falado desse jeito. Não foi um pé na bunda. Vocês romperam, chegaram a um acordo. Vão continuar amigos. Vem cá: ele também disse que não te merecia? Não, eu não conversei com ele. É que é um discurso meio, digamos, usual para quem quer sair à francesa de uma relação. Ah, desculpe de novo. Ele não queria terminar. Está confuso. Sei.

Bom, acho que eu preciso de um café.

OK. Agora pega essa caixa de lenços, se concentra em tentar parar de soluçar por dez minutos porque chorando há doze horas e sem dormir você está me lembrando uma personagem da Disney. E não é nenhuma das princesas. Ah, não. Não começa de novo.

Vamos lá: há quanto tempo vocês estão juntos? E não precisa dizer dias, horas e minutos. Seja mais generalista. Certo: três anos. Um bocado de tempo. Quantas vezes você chorou desse jeito por alguma briga, desconfiança, crise ou sei lá mais o quê? Algumas? Pois agora é minha vez de ser precisa: pelo menos uma vez por mês, o que dá, por baixo, umas 40 vezes. Isso sem contar as brigas a seco, as desconfianças e as DRs unilaterais. Sim, unilaterais. Só você discutia enquanto ele pensava na tabela do Campeonato Brasileiro. Somando tudo isso, você deve ter tido, nesses três anos, uns quatro meses de felicidade plena.

Claro, claro: a vida não é um mar de rosas, relacionamentos tendem a gerar atritos. Não é fácil. Tem toda a razão. Mas garanto que fica ainda mais difícil quando fazemos escolhas erradas, insistimos em transformar em príncipes sapos que estavam satisfeitos na condição de sapos, chegamos de mala e cuia na vida de quem, por nenhum momento, se mostrou disposto a embarcar em uma longa viagem a dois. Pensa bem: ele estava apenas na plataforma. Não tinha um destino específico. Pegaria o primeiro trem que passasse.

Não, você não é um trem. É uma tentativa de metáfora. O que quero dizer é que ele obviamente se interessou, gostou de você, do seu papo, do seu bom humor. Porque – apenas para lembrá-la – há quatro anos você era muito bem-humorada. E estava sem namorado. Não, não. Peraí: sem namorado, não sozinha. Sozinha você esteve durante boa parte desse relacionamento. Sabe aquele filme que você amou, com o Will Smith? Aquele sobre o qual você me contou detalhes, na maior empolgação, dizendo que era o filme da sua vida? Pois é. Outro dia ouvi o Rafa perguntando se ele recomendaria o filme. Ele respondeu que não se lembrava de ter assistido. Sim, eu sei que ele estava com você no cinema. Mas não junto. Apenas ao lado. E o que é a vida de um casal se você não compartilha um filme? Uma música? Uma comida?

Falando em comida, em uma das vezes em que você se dizia “sozinha”, fomos comer naquele restaurante japonês da Liberdade, lembra? Aquele onde pedimos uma garrafa de saquê para tomar em três porque ficava mais barato que a cerveja. Tá rindo? Lembrou, né? Você se declarou em mandarim para o garçom tailandês e eu tentando te explicar que ele não era chinês. E depois nós três – a Manu também estava – entramos no Metrô jurando que você estava sendo perseguida pela máfia Yakusa. A Manu até pediu ajuda para o segurança. O moço julgou que você era a mais bêbada entre as três e queria te levar para a enfermaria. Mas não deixamos. Ele podia estar em conluio com os japoneses. Ficamos lá: as três sentadas solidariamente na plataforma até o perigo – leia-se bebedeira – passar. E você me afronta dizendo que estava sozinha. Francamente.

Ama? Será? Especificamente o quê? Não , amiga, vamos organizar: o verbo é transitivo direto. Esquece o Mario de Andrade, aquilo era título de poema. A gente ama quem admira. Quem respeitamos. É possível admirar e respeitar alguém que não se ama, mas a recíproca é improvável.

Por isso acho meio complicado você afirmar que ama. Para pra pensar: do que gostavam em comum? Que tipo de projeto realizaram nesses anos? Ah, aí não! Você não se constrange de repetir isso em voz alta? “Planejaram” fazer o Caminho de Santiago? Não. Ele planejou. Era pra ser uma viagem essencialmente de homens, do pessoal do trabalho dele. Até que você descobriu que a ex belga ia também. Aí se incluiu na trupe. E você está para o Caminho de Santiago como a Maria Bethania para o David Guetta. Sua única elevação espiritual nessa viagem foi aprender a caminhar quilômetros de salto anabela porque não podia ficar mais baixa que a belga.

Sim, estou dizendo que você tem responsabilidade. Por quê? Era pra dizer que é inocente? Que sofreu nas mãos de um canalha inescrupuloso? Via de regra, não existe vítima numa relação a dois. Existe vitimização, o que é bem diferente. Mas não se sinta sozinha. O mundo está cheio de parceiras suas. Mulheres que preferem se instalar no conforto do coitadismo. E isso em pleno século 21, enquanto cobram igualdade de direitos e melhores cargos e salários. Mas colocam no colo do homem todas suas expectativas. Terceirizam a capacidade de ser feliz.

Se vai passar? Vai, amiga, vai. Mas não do jeito que você gostaria, como se fosse um resfriado leve, que não exige medicação. É mais para uma pneumonia, que, se bem tratada, não mata, mas precisa de antibiótico tarja preta. Requer autoanálise: quais características emocionais, materiais /físicas ou de comportamento você considera imprescindíveis para alguém ocupar o cargo de seu namorado/marido/amante? Ao encontrar essas respostas, descobrirá que quem pegou o trem errado foi você que, querendo chegar a um mosteiro no Tibete, desembarcou em Manhattan.

E aí vai começar a doer menos. E vai sarar quando notar que não errou totalmente. E o passaporte carimbado para destinos que não eram essencialmente os que você teria escolhido ainda assim é válido. Porque está te ajudando a encontrar seu verdadeiro caminho.

Wal Reis

Oi, tudo bem? Sou jornalista, formada pela Universidade Metodista de São Bernardo. Profissionalmente atuo como articulista e gero conteúdos para fins diversos. Mas textos sobre saúde e comportamento ganham meu coração e minhas madrugadas. É quando converso comigo mesma e, por conseqüência, alcanço outras pessoas, sempre procurando um contraponto, dado luz aos bastidores dos sentimentos numa tentativa pueril de deixar uma mensagem positiva para quem me lê.

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