De todos os seres vivos terrestres somos os únicos que possuem a consciência da própria finitude. Nascer e morrer são duas prerrogativas sabidamente irrevogáveis para todos nós, contudo durante a vida caminhamos quase sempre evitando pensar nisso.
Ninguém quer morrer, mas todo mundo vai, contudo vivemos como se fossemos imortais. Colocamos sobre o colo milhares de pequenos afazeres e nos esquecemos de contemplar o tempo e onde estamos no espaço-tempo da nossa própria vida.
Dessa forma, antes de mais nada, é preciso dizer aqui em alto e bom tom que a vida humana é lamentavelmente curta. E pior, é ainda mais curta para os que não acordam para o real sentido dela. E nesse ponto preciso concordar com Benjamin Disraeli “a vida é muito curta para ser pequena”.
Mas quando uma vida é pequena mesmo?
Uma vida é pequena quando nossa presença nela não faz diferença alguma. Quando vivemos de forma banal, fútil, inútil e superficial. Quando de acordo com o filósofo e escritor Mário Sérgio Cortella nos tornamos “mornos”.
Morna é aquela pessoa “mais ou menos”. Mais ou menos amiga, mais ou menos profissional, mais ou menos amante. Morna é a pessoa que adora ditar o velho chavão do “eu faço o que posso”. Morna é a pessoa que não acredita no melhor, nem na aplicação dele para melhoria da vida de todos. Morna é aquela pessoa que não faz falta.
E, de acordo com Cortella, para fazer falta é preciso ser importante. Entretanto, diferente do que podemos imaginar, para ser importante não é necessário ser famoso (haja visto que a fama é efêmera), basta apenas que sejamos importados para dentro do coração daqueles que nos cercam e que são tocados pelas nossas iniciativas e atitudes.
E talvez depois disso, depois de nos tornarmos importantes para os que estão ao nosso lado, possamos pensar na possível “não morte”.
A “não morte” não diz respeito à negação da morte física, mas à sobrevida do nosso Eu. Dessa forma só morremos mesmo quando somos definitivamente esquecidos.
Assim, quando vou até a cozinha e me lembro do cheiro delicioso da farofa molhada da minha avó, a torno viva através de meus pensamentos e memórias. Quando cito um filósofo do século passado, puxo a manta do esquecimento que dedilha sua lápide. Quando entoo uma canção de Vinicius de Moraes, o reavivo, prolongando sua vida para além dela mesma.
Sabe aquele ditado que nos diz sobre “plantar uma árvore, escrever um livro e fazer um filho”? Ele tem muito a ver com esse sentido de “não morte”.
Quando planto uma árvore e cuido para que ela se fortaleça e sobreviva a mim, ela levará consigo um pouco do que sou e de minha iniciativa e atitude. Ela será como uma lembrança minha a acenar para os que contornam seu tronco que eu em corpo um dia lá estive e ideologicamente ainda estou.
Com um filho também é assim, se eu não apequenar minha vida e dar a ele o tempo necessário para que aprenda comigo, ele levará consigo o que sou não só nos traços e genes, mas em sua ideologia e caráter também.
Dizer de um livro é o mesmo, pois se minhas palavras e pensamentos compilados forem de importância significativa para a vida dos que vierem a me ler, o que foi escrito por mim ficará e transcenderá o tempo.
Mas o que estamos fazendo hoje com nossas vidas? Estamos nos dando tempo para plantar e regar uma árvore ou estamos apenas jogando uma muda de qualquer jeito dentro de um buraco raso?
Estamos criando vínculos com nossos filhos ou protelando a outros questões que só nos dizem respeito?
Somos movidos por reflexões profundas, recheadas de sentido, que partilhadas podem fazer florescer o melhor em outros corações ou estamos apenas preocupados com aforismos dedilhados rapidamente em alguma conversa superficial?
Fazemos o nosso melhor dentro das possibilidades que nos foram dadas ou nos contentamos com o comedido e desmotivante “faço o que posso”?
Somos pessoas repletas de amor e de importância para nossa família, amigos e comunidade ou resmungões solitários que esperam o mundo dar errado para dizer “eu falei”?
Seremos lembrados apenas durante nossos anos de vida ou tomaremos tento para esse tempo curto no qual enchemos os pulmões de ar e faremos dele o ponto de partida para o que pode transbordar para um tempo além do nosso?
É esse o momento para verdadeiramente ser, para verdadeiramente amar e para verdadeiramente proclamar o melhor que carregamos em nós.
Apenas sendo de verdade, dando o melhor de nós, podemos enfim ganhar um lugar cativo no coração daqueles que sinceramente tocamos e dessa forma não nos rasgaremos em temores quando uma voz sabiamente nos indagar: “Se você não existisse, que falta faria?”
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