Você pode atribuir o SER ao ser humano. Ou à existência. As duas aplicações são válidas. A guerra, contudo, dispensa armamento. É velada. Selada com a cordialidade para a coexistência entre homem e mulher. Entre a mulher e o mundo.
“Se eu nascesse de novo queria ser homem”! Já ouvi muita mulher dizendo isso. Eu não! Tenho um orgulho danado do que o SER MULHER representa. O fardo, porém, é gigante. Mas somos capazes de levar. Mesmo com o preconceito, com o julgamento, com os conflitos sem fim.
Se a mulher se preocupa com a beleza acima de tudo, faz academia, gasta horas no salão, acorda maquiada, está sempre “sarada” e cumpre o requisito “gostosona”… ganha o título futilidade.
Se se preocupa com o intelecto, estuda, enfia a cara no trabalho, é empreendedora e consequentemente, tem pouco tempo para a beleza estética… ganha o título de fria e calculista.
Se opta por não trabalhar fora e ser dedicada ao lar e aos filhos, o que se torna um desafio para cuidar da estética e dos estudos… ganha o título de desleixada.
Se cuida da beleza, do intelecto, se dedica ao lar e aos filhos dando 100% de si em todos os campos, ganha, de mim, o título de MULHER MARAVILHA.
Minha amiga, eu mesma não sei como dar conta de atuar em todas as áreas com perfeição sem deixar uma ou outra a desejar.
Quando eu quero cuidar da beleza acima de tudo, preciso adiar uma troca de fraldas e saber lidar com uma música de fundo chamada choro. Equilibrar a mamadeira entre as mechas do cabelo e um sonoro e repetido “não meche aí” entre uma esmaltada e outra. Cuidar da casa vira opcional, porque não há escova que resista ao suor provocado pelas vassouradas.
Quando opto por ser mais intelectual e profissional, fico de mal com a maquiagem, faço vista grossa para a limpeza da casa e dou uma benzida nos filhos. Cumpro o check-list. Todo mundo alimentado, de banho tomado e trocado. Sigo a rotina comer, tomar banho e dormir. E fim do dia.
E quando me dedico aos filhos e a casa, que para o ser mulher dentro de mim, é a minha versão preferida, não tem espaço para a estética, não tem espaço para o trabalho. Não consigo arranjar tempo para mais nada entre o rodinho, a água sanitária, a panela no fogão, o bolo no forno, a roupa no varal, o uniforme lavado, a tarefa de casa, lavar o canil, cortar a grama, pregar um botão, esfregar joelhos de roupas que se divertiram no quintal… Ufa! A noite chegou e ainda não acabei.
O grande conflito moderno é que, as mulheres de hoje são todas as acima em uma só mulher.
Carregamos em nós o peso de sermos todas essas versões de mulher ideal, ao mesmo tempo, porque não temos tempo para sermos uma de cada vez.
E quando estamos exercendo uma, deixamos a desejar a outra e não queremos isso. Queremos executar com maestria e perfeição todas as nossas versões. Muitas, eu diria até que a maioria de nós, consegue. Mas existe um preço altíssimo para isso. Somos esgotadas, estressadas e alucinadas pela cobrança que exercemos sobre nós mesmas.
O mundo espera muito de nós. E nós, projetamos essa expectativa em nós mesmas e nos empenhamos em um ritmo frenético para sermos todas as coisas que sonhamos ser. Bonitas, inteligentes, boa mãe e boa dona de casa. Mesmo quem tem babá, empregada, ainda tem o fardo de saber coordenar a casa e tem o dever e a responsabilidade de cuidar dos filhos. Isso, acima de qualquer outra coisa, não dá para delegar.
Em tempos de guerra, todos esses conflitos são elevados a décima potência. A mulher não está pronta para lidar com mulheres dessa era. Uma líder no trabalho precisa ser líder e compreender a ausência de uma funcionária que precisou cuidar do filho que está com febre. Uma líder que também tem um filho. E fica na corda bamba, sob uma linha tênue em liderar e compreender os conflitos daquela outra mulher, que ela compreende e compartilha tão bem.
A mãe que se dedica somente aos filhos encontra outra mãe na porta da escola, vestida para o trabalho e pensa: nossa, ela trabalha e ainda consegue trazer o filho na escola. E sente culpa.
Ao mesmo tempo, a mãe que está apressada para deixar o filho na escola e seguir para o trabalho e encontra a outra que está indo para casa fazer o almoço pensa: nossa, ela pode cuidar da casa e fazer o almoço. E sente culpa.
As duas encontram uma terceira vestida com roupa de ginástica e pensam: ela consegue ir para academia cedo. Será que ela trabalha? Será que tem empregada? E sentem culpa enquanto essa terceira vê as outras duas sendo as mulheres que ela tenta ser. E todas sentem culpa.
Acho essa culpa muito natural. E cômica. Porque em algum momento a mãe que trabalha vai dar almoço para os filhos, feito por ela ou não. E vai fazer algum tipo de exercício, ainda que seja subindo as escadas do trabalho. Assim como a que vai para casa exerce a difícil tarefa de administradora do lar e coordenadora de educação infantil, enquanto malha nas tarefas domésticas que queimam muitas calorias. E a com roupa de ginástica está indo ou vindo de alguma dessas rotinas. Todas no papel de mulher maravilha!
Não temos carga-horária definida e mudamos nossas versões a qualquer hora, quando o tempo permite. A unha pode ser feita de madrugada, a roupa estendida a meia-noite e um relatório enquanto as crianças dormem.
O homem, por sua vez, deseja ter todas essas versões de mulheres. Alguns procuram uma versão em cada mulher diferente e se equilibram no malabares entre todas. Outros admiram a mulher maravilha que tem, e colaboram para que ela sobreviva à pressão em que vive. Outros projetam expectativas em suas mulheres, cobrando a roupa lavada, criticando os quilos a mais, a habilitação para dirigir. Mas vamos deixar os homens para depois. Hoje é nosso dia!
O ser mulher hoje, é uma guerra interna e diária. A culpa, receio, seja nossa. Tentamos ser todas as coisas, todo o tempo e nos culpamos se deixamos a desejar aqui ou ali. Por outro lado, creio que essa seja nossa natureza e que não consigamos ser diferentes do que somos.
Ser mulher? Sim, sempre, com muita honra!