Quantas mentiras não inventamos para nós mesmos para mantermos empregos enfadonhos, amigos sabotadores e relações doentias?

Quantas mentiras não inventamos para nós mesmos para aguentarmos o dia a dia? Para levantarmos de manhã, irmos ao trabalho, convivermos com gente que não acrescenta, com gente disposta a puxar o nosso tapete na primeira oportunidade?

Quantas mentiras não inventamos para nós mesmos para mantermos empregos enfadonhos, amigos sabotadores e relações doentias?

Quantas mentiras não inventamos para nós mesmos para não enlouquecermos diante das nossas dúvidas, do nosso medo, do nosso tédio, do nosso asco, da nossa solidão mais profunda que é aquela que encontramos quando nos perdemos de nós mesmos. Este último pensamento vi na peça A alma imoral e fiquei fascinada!

Quantas vezes não suportamos o insuportável para evitar constrangimentos, conflitos, momentos estressantes e por fim optamos por morrer aos poucos como alguém que é envenenado dia a dia com algumas gotas de detergente na comida.

Chega uma hora em que é preciso encarar a merda. Olhá-la de frente sem medo de ver o quanto ela é feia e asquerosa.

Chega uma hora em que precisamos aceitar que perdemos o controle da situação, que fomos engolidos pelas banalidades cotidianas, que deixamos de desenvolver o nosso potencial, que aturamos muita mediocridade por medo da solidão, que abandonamos nossos sonhos por cansaço ou preguiça de lutar.

Chega uma hora em que não podemos mais fingir, dissimular e sublimar. É preciso admitir-se nu e demaquilado no palco da vida e lamber as próprias feridas e rir diante de tudo que deixamos para trás.

Vivemos em uma sociedade que nega a verdade. Vivemos em uma sociedade que acredita que se não tocarmos num assunto, ele deixa de existir. Vivemos em uma sociedade que nega a própria dor. No entanto, apenas membros sãos podem gerar dor. Sentimos dor quando estamos vivos, pulsando. Enquanto há capacidade para dor, há possibilidade de movimento.

Não nos anestesiamos para a vida, para nós mesmos. Toda dor pode ser a oportunidade de um renascimento.








Viciada em café, chocolate, vinho barato, filmes bizarros e pessoas profundas. Escritora compulsiva, atriz por vício, professora com alma de estudante. O mundo é o meu palco e minha sala de aula , meu laboratório maluco. Degusto novos conhecimentos e degluto vinhos que me deixam insuportavelmente lúcida. Apaixonada por artes em geral, filosofia , psicanálise e tudo que faz a pele da alma se rasgar. Doutora em Comunicação e Semiótica e autora de 7 livros. Entre eles estão "Como fazer uma tese?" ( Editora Avercamp) , "O cinema da paixão: Cultura espanhola nas telas" e "Sociologia da Educação" ( Editora LTC) indicado ao prêmio Jabuti 2013. Sou alguém que realmente odeia móveis fixos.