Muito se diz sobre o tal “amor à primeira vista”, porém pouco se questiona acerca de tal fenômeno. Será mesmo possível que de repente, como em um passe de mágica, tão grande o sentimento surgisse? De onde viriam tais afetos? Seriam vidas passadas? Sem querer ser estraga prazeres, terei de negar as hipóteses mais românticas que poderiam ser ofertadas frente a esta questão.
Nenhum grande sentimento nasce do nada, tanto o ódio quanto amor são afetos construídos sob muita frustração e/ou satisfação (não custa dizer que amor e ódio andam sempre juntos). O bebê, por exemplo, nasce sem compreender exatamente que existe algo que não seja extensão de seu próprio corpo. Ao perceber parcialmente a existência de um outro ser (no caso a mãe) ele começa a desenvolver seus afetos por esta. Tal fenômeno ocorre simplesmente por conta de uma carga filogenética? Negativo! A mãe irá oferecer muita segurança e satisfação (fisiológica e afetiva) para que o amor de seu filho seja conquistado.
Ok, já ultrapassamos a primeira parte da questão, agora resta-nos explicar algo de extrema relevância. Se tais sentimentos não surgem do nada, como é que se pode explicar aquele grande “amor” (ou ódio, por que não?) sentido ao ver uma pessoa pela primeira vez?
A resposta é simples: “Não existe amor à primeira vista, porém existe um mecanismo nomeado transferência”. Por meio deste, um afeto construido por um indivíduo é transferido para outro. Gosto de dizer que ocorre um deslocamento duplo. Primeiramente o deslocamento temporal, afinal, um sentimento do passado (mais ou menos remoto) ressurge agora, no presente. E em segundo, o deslocamento de objeto, neste momento o amor que foi construído para um indivíduo agora está sendo ofertado a outro.
Não seria nada adequado encerrar por aqui sem responder uma questão crucial: “E como é que se define para quem tais afetos serão transferidos?”.
Costumo trabalhar com duas hipóteses primordiais:
– Proximidade temporal: É muito comum e costuma ocorrer em alta frequência tanto no caso do amor quanto no do ódio. Proximidade temporal remete à curta distância de tempo entre uma construção afetiva e sua transferência. Como assim? Simples! Você nunca se estressou com alguém e descarregou seu ódio em outra pessoa que nada tinha a ver com a circunstância inicial? Então, eis um belo exemplo! E sobre o amor? Podemos citar os casos em que um casal se separa e rapidamente a garota (ou garoto) adentra um novo relacionamento com as mesmas características do anterior.
– Similaridade estética e/ou comportamental: Nestes casos o afeto irá surgir por conta de um indivíduo ter alguma característica que o conecte com uma figura afetiva importante do passado. Também ocorre com alta frequência e demoramos a perceber a quantia imensa de similaridades que o objeto atual de afeto tem se comparado ao anterior. Estes casos são bem demarcados pelo fato de que a pessoa que “ama” sempre espera que o indivíduo atual se comporte de maneira identica ao do passado, fazendo com que o afeto vá sendo desconstruído conforme a convivência força a pessoa a perceber as diferenças da pessoa real frente àquela idealizada inicialmente.
Agora, com tudo muito bem esclarecido resta-me apresentar um ponto positivo e um negativo acerca do que foi dito acima.
– Todos ganhamos uma maior compreensão acerca da psicologia humana e começaremos a perceber de forma muito mais adequada circunstâncias que antes nos passavam despercebidas;
– Continuaremos tão vulneráveis quanto antes aos explosivos sentimentos de amor e ódio que surgirão durante nossa existência.
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