Adoro tomar café na casa da minha mãe. Os bolos e pãezinhos são pretextos para uma tarde de conversa solta e lembranças calorosas ao redor da mesa. As toalhinhas bordadas à mão (“com o avesso perfeito!”) são delicadezas em forma de cuidado, e o vapor cheiroso da garrafa térmica assinala o tempo terno da prosa regada de afeto.
Há uma frase de Rubem Alves que diz: “Somos as coisas que moram dentro de nós”. E essa manhã, na mesa do café com minha mãe, recordando emocionadas a trajetória de dona Conceição, minha avó, (há muitos anos falecida), tive certeza desta frase.
Já não é possível caminharmos sozinhos. Depois de certo tempo e algumas vivências, percebemos que nossa bagagem torna-se muito mais ampla, e descobrimos que somos a soma daquilo que vivemos, que descobrimos, que escolhemos, que deixamos pra trás.
Somos a concretização dos planos e a finalização de ciclos. Somos a morte de um tempo e a esperança por novos dias. Somos as cadeiras na calçada de nossa infância, a chaleira apitando na cozinha, o melado raspado no fundo da panela. Somos o relógio marcando a hora de voltar para casa, o andar descalço na ponta dos pés enquanto todos dormem, a flor roubada amanhecendo no chão do nosso quintal. Somos acorde de violão enchendo o ar de uma noite estrelada e a despedida antes da hora prometida. Somos encontro, certeza, realidade e verdade. Somos lembrança, desistência e recomeço. Somos início, somos fim. Somos, acima de tudo, impermanência.
A vida é marcada pela impermanência do tempo, das coisas, das pessoas. Sabemos que, em um momento ou outro, teremos que andar sozinhos, mas ainda assim levaremos conosco tudo o que permanece morando em nós.
As toalhas enfeitadas pelas mãos bordadeiras de minha mãe são testemunhas de um tempo bom, de conversas e lembranças ao redor da mesa farta de afeto e de café. Um dia irão enfeitar outras mesas e contarão a história de nossos encontros, momentos que hoje me trazem muita alegria e paz.
Algumas coisas têm o dom de permanecerem eternas. É sobre elas que falo. Sobre aquilo que nunca esqueceremos, não importa quanto tempo passe. Sobre aquilo que pode transbordar novamente durante o uso de uma porcelana de família, ao som de uma música antiga ou à menor menção de uma época feliz.
Rubem Alves tem razão. Somos as coisas que moram em nós. E é por isso que devemos costurar nossas histórias com cuidado, porque não há como voltar. Ninguém pode voltar. E para seguir em frente sem levar dores ou remorsos na bagagem, é preciso valorizar os momentos que passamos ao lado daqueles que amamos. Entendendo que a vida é cheia de despedidas, e quando a gente percebe, o sol se pôs e nosso melhor tempo já se foi.
Que não seja permitida a saudade do que teve que partir levando um pedaço de nós; mas que permaneça a serenidade diante das esperas e a capacidade de regenerar-se quando um tombo nos faz em caquinhos.
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