Um dia eu conheci uma moça que era tudo o que eu queria da vida. Mudei de cidade, deixei amigos, larguei o que tinha. Virei minhas certezas de cabeça para baixo e me casei com ela. Naquele tempo eu não fazia ideia, mas hoje eu sei que foi a escolha mais certa entre todas as que fiz e ainda vou fazer.
Não posso reclamar. Nunca fui à Disneylândia, não virei ginasta olímpico, mal sei dar uma estrela, não fiz fortuna. Mas eu conheci a felicidade conjugal. Conheci de perto.
Sim, eu fui um sujeito feliz no casamento. Os descaminhos, as aporrinhações e desconfortos de quem decide encarar uma vida a dois não me fizeram nem cócegas. Adorei ter me casado e recomendo a quem quiser aprender sobre si mesmo, sobre o outro, sobre a vida e essas coisas que se revelam sem mais, nas terças-feiras sem graça, nos domingos de tarde, nos dias de festa e nas noites de gripe, no medo e no êxtase, em hotéis e hospitais, na delícia e na dor, nos instantes de eternidade e na truculência do tempo que passa e não volta. Na vida honesta de um dia depois do outro, eu fui muito feliz no casamento.
Nosso filho João nasceu e cresceu em meio a uma bruta felicidade. A vida era um festejo, uma alegria mansa, um contentamento firme. Ele também conheceu a alegria conjugal na companhia de seus pais.
Depois, como tanto acontece a tanta gente, o casamento foi se cumprindo, se completando, se findando. E acabou. Primeiro eu aceitei, adulto, resoluto. Depois desmoronei. Caí no choro, esbravejei, sofri. E no meio do meu egoísmo, do meu orgulho ferido, não tive o menor respeito por um amor que havia sido grande, enorme, escandaloso. Fui pequeno, rasteiro, vingativo. Um verdadeiro pateta.
Foi difícil. Egoísta como um bebê que berra pela mãe no berço, fiquei magoado e resolvi magoar todo mundo. Joguei merda no ventilador, disse o que não devia, envolvi no meu drama pessoal a família dela inteira, a família que também era a minha. Resolvi sair da vida deles com tudo, com pompa, batendo a porta.
Foi triste. Todo mundo se machucou. Exceto o nosso filho. Nisso, ao menos, ela e eu fomos implacáveis. Nosso menino jamais presenciou, ouviu, assistiu ou teve notícias de qualquer conversa difícil entre os pais. Quando se fez certo o fim, eu aluguei um apartamento e fomos os três, juntos, conhecer “a nova casa do papai”.
Ele entendeu direitinho que dali em diante teria dois quartos, duas camas, dois caminhos de casa e o principal: duas pessoas diferentes que o amariam igual. Para sempre.
Entre todos os nossos enganos no casamento, ter um filho foi o nosso maior acerto. É certo. Foi o nosso jeito de fazer aquele amor grandioso durar para além de tudo. Atravessar o tempo. Crescer vigoroso sob a forma de um menino lindo, forte, bom.
Demorei a me dar conta de que a mãe do meu filho é alguém a quem eu devo amor incondicional para todo o sempre. Levei tempo para aceitar que desejo a ela toda a felicidade que há no mundo. Tanto quanto quero a felicidade do nosso filho.
Dia desses, vivi pela primeira vez uma situação inconcebível poucos anos atrás. Fui buscar o João e o Bob, nosso cachorro, na casa da mãe para o fim de semana. Eles estavam atrasados e ela me pediu para entrar. Eu entrei e lá estava, na sala e no sofá que haviam sido meus, o marido da mãe do meu filho. Um sujeito bom à beça, Graças a Deus. Enquanto o João terminava de se aprontar, sentei e conversamos os três. O casal e eu. Juro: eu senti felicidade. Fiquei feliz por eles, pelo João. Por mim.
Sei aqui comigo, e acho que ela sabe também, que o amor da gente vingou, cresceu, abraçou outras pessoas, deu certo. E fez o mundo melhor. Esse mundo louco e fascinante por onde o nosso menino há de caminhar feliz e amado. Para sempre.
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