Comportamento e Psicologia

Texto de médica sobre mãe que não ama filha viraliza nas redes sociais

Júlia Rocha, médica mineira, escreveu um texto polêmico sobre maternidade que viralizou no Facebook. “Quantas mães desnaturadas você conhece?” joga luz sobre questões como depressão pós-parto e conflitos emocionais que muitas mulheres têm ao se tornarem mães, mas não têm coragem de falar. O post foi publicado no dia 29 de setembro e já ganhou mais de 10 mil compartilhamentos. No fim, a mensagem é positiva. Leia na íntegra abaixo.

Em tempo: Júlia Rocha ficou conhecida nas redes por sair em defesa de um paciente que foi ridicularizado por um médico ao escrever “peleumonia” em vez de pneumonia. O caso aconteceu há dois meses.

“QUANTAS MÃES DESNATURADAS VOCÊ CONHECE?

A quantas você deu oportunidade de falar?

Laura, 28 anos, entrou no consultório nervosa. Sorriso no canto da boca, olhar para o chão, raramente olhava pra mim. Mãos que se esfregavam, respirou fundo e disparou:

“Eu vim por que minha mãe falou que eu tenho depressão pós parto.”

“Ahan…”

“Mas ela fala que eu tenho tudo, né.” E sorriu.

“Tudo?”

“É. Fala que eu tenho esquizofrenia, que sou bipolar.” E mais risadas. “Ai, ai, minha mãe…”

“Mas, e você? Fala o quê?”

“Ah, eu tenho um pouco de anemia… Mas é do tratamento que eu fiz pra emagrecer. Eu era uma baleia.” E sorriu mais.

A consulta de Laura foi um pedido meu. A filha dela, uma criança de 4 anos, vinha apresentando problemas sérios relacionados à alimentação. Obesa, mal conseguia acompanhar as brincadeiras na escola. As vacinas, todas foram dadas com atraso depois de grande insistência e orientação da equipe. Vendo este cenário, concluí que precisava conhecer seus pais. Oferecemos a consulta e a mãe quis vir primeiro.

“Além da anemia, mais algum problema de saúde?”

“Não.”

“E depressão pós parto? De onde sua mãe tirou isso?”

“Não sei, por que ela nem me conhece direito pra falar. A gente conviveu pouco. Fui criada na casa da minha avó… (fez silêncio) Casei errado, doutora. Pra quem nunca se sentiu amada, pra quem não se ama, pra quem se acha gorda, feia, vem um cara e fala meia dúzia de palavras bonitas… (novo silêncio). Quando eu engravidei, já tava decidida a me separar. Quando eu soube, me desesperei. Não aceitava.”

“E como foi a gravidez?”

“Difícil. Minha filha não crescia no meu útero. Por mais que eu me alimentasse, ela continuava muito magrinha. O tempo todo me diziam que meu corpo estava rejeitando ela… (e chorou pela primeira vez). O parto foi cesárea. Ela ficou internada muito tempo. Tadinha. Tão pequenininha e tendo que passar por isso.”

“Deve ter sido muito difícil.”

“Doutora, todo mundo sabe que eu cuido muito bem da minha filha. Eu posso estar com a depressão que for, mas quando ela chega, eu dou meu jeito. A comida sempre na hora, verdura, legume, coisas saudáveis. Dou banho, penteio o cabelo, visto roupinha, passo perfume…”

“Eu sei.”

“A única coisa que eu queria, mas não consigo, é amar a minha filha.”

FLECHADA! Sem preparo. Sem conversa. Sem doçura. Eis uma mãe desnaturada! Má! Bruxa! Como pode ter coragem de falar uma coisa dessas!

“Eu faço como se eu amasse… (e chora) mas eu não consigo sentir. Por que, doutora, eu não sei. Eu tento, me esforço. Eu não sei como fazer pra amar minha filha.”

“Laura, não tem jeito certo nem jeito errado. Cuidar da alimentação, da higiene, se preocupar com a saúde também é amar.”

“Eu não queria ser assim.”

“Como era você com sua mãe?”

“Então, não morei com ela. Ela me deixou com a minha avó. Do pouco que convivemos, não construímos assim uma amizade… Intimidade… Sei lá.”

“Você recebeu esse tipo de carinho que você acha que deveria dar para a sua filha?”

“Nunca. De ninguém.”

“E como era sua avó com a sua mãe?”

“Ah, elas não se falam muito.”

“E como era a sua avó com a sua bisavó?”

“Nossa!! Diz que a mulher era o cão!! Distribuía varada de marmelo pra todo lado. Batia pra machucar. Coisa que eu não tenho coragem nem de pensar em fazer com a minha filha.”

“Laura, vou te falar uma coisa que tá aqui dentro do meu coração. Não quero te ofender ou ofender a sua família. É com todo carinho que te falo: a gente só consegue dar o que tem. Pra dar amor, a gente precisa se sentir amada. É como dizer para uma criança que ela tem que me dar um carro. Não tem como. O amor que eu recebi quando eu era bem pequena hoje me inspira a amar outra pessoa. Ódio, eu não recebi. Por isso, eu não consigo odiar ninguém.”

Ela olhava como quem agradece a compreensão…

“Por outro lado, olha a história linda de superação que você está me contando: sua bisavó batia e machucava os filhos. Talvez por que tenha aprendido que isso era o correto a se fazer. Sua avó superou essa violência mas não conseguiu criar vínculos de amizade e carinho com sua mãe. Sua mãe já consegue conversar com você e, do jeito dela, te orienta e tenta te ajudar. Já, você está dando um salto enorme em busca desse entendimento. Você foi capaz de sofrer a dor da internação da sua filha, de se preocupar com a alimentação, com a roupinha, com o cabelo, com o perfume. Você já ama sua filha. Ninguém faz isso sem amor. Provavelmente, quando a sua filha tiver o neném dela, amar e cuidar será algo muito mais natural pra ela, por que ela vai se lembrar de tudo que você fazia por ela quando ela ainda era uma bebezinha!”

Laura estava chorando. Chorando me ouviu. Ficou com o que achava que devia ficar. Jogou fora o que achou bobagem. Vai conversar com a Psicóloga e com a Psiquiatra da nossa unidade.

Laura levou de mim o amor que recebo diariamente da minha família e dos meus amigos. A consulta terminou e, a mágica: o amor que eu tenho em mim agora é bem maior do que o que eu tinha antes de conhecê-la.

Obrigada, Laura.”

Resiliência Humana

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